Maria Luiza Rückert
A mensagem do Novo Testamento
Paulo Rückert

O NT quer testemunhar a revelação de Deus em Jesus Cristo.
O objetivo do NT é despertar os leitores para a fé.
A fé é a resposta que o ser humano formula perante o agir de Deus.
Somos confrontados com o significado de Jesus Cristo para a redenção do ser humano.
Todos os escritos do NT apresentam como tema o significado de Jesus Cristo para a redenção do ser humano.
O AT registra acontecimentos que abrangem um período histórico muito amplo. E relata o agir de Deus junto a um povo. Deus se revela no transcurso da história de Israel. O NT se concentra num período que não chega a abranger um século. Essa concentração culmina na seguinte proclamação:
“E não há salvação em nenhum outro;
porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome,
pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4,12).
Essa concentração na revelação de Deus em Jesus Cristo também torna clara a estrutura do NT. Os evangelhos apresentam a atuação, o sofrimento, a morte e a ressurreição de Jesus. Os Atos dos Apóstolos e as cartas apontam para a obra de Jesus como ponto de partida para a missão da igreja. O Apocalipse apresenta a vitória final e definitiva de Jesus Cristo sobre todos os poderes malignos.
A mensagem do NT se concentra na revelação de Deus: a vinda de Jesus Cristo e sua obra de reconciliação, e sua volta gloriosa no fim da história. A revelação de Deus aconteceu na “plenitude do tempo” (Gl 4,4).
O NT testifica que a revelação de Deus chegou ao seu ponto culminante e definitivo. “Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (Jo1,17).
Em uma existência histórica ocorreu o encontro do divino com o humano, da eternidade com o tempo, da transcendência com a imanência.
Durante quase meio século a Boa Nova circulou pelo mundo como estilo de vida. A palavra era falada adiante, pois era mais importante viver o Evangelho do que escrevê-lo. Os cristãos experimentavam um novo nascimento.
Os cristãos se destacavam do mundo pagão pela maneira como conduziam sua vida. Meditavam sobre palavras e atitudes de Jesus para poderem responder aos questionamentos que a vida lhes impunha. A principal característica dos primeiros cristãos foi a partilha (At 2,42-47).
Atos dos Apóstolos e as cartas mostram que os primeiros cristãos conviveram com a presença diária de Jesus Cristo ressuscitado. O título “Senhor” aponta para a presença constante de Jesus.
O Senhor ressuscitado é o mesmo que é apresentado nos evangelhos: ele curou enfermos, perdoou pecados, anunciou a proximidade do Reino, mostrou uma nova relação com Deus – o Pai amoroso – que busca as ovelhas perdidas, chamou as pessoas a uma meia-volta em sua vida (conversão), para cumprirem a vontade divina. Esse Senhor morreu na cruz e ressuscitou.
Jesus é o Filho de Deus, que está acima dos anjos (Hb 1,5-14), e também é “semelhante aos irmãos” (2,17), foi “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (4,15). Observemos também Hb 5,7. Em sua existência humana, Jesus manifestou a presença de Deus.
Jesus venceu todos os poderes hostis ao Reino dos Céus. Ele despojou principados e potestades, pois triunfou sobre eles na cruz (Cl 2,15). Vitorioso, Jesus foi exaltado à direita de Deus, “ficando-lhe subordinados anjos, e potestades e poderes” (1Pd 3,22). A partir de então, tudo o que oprime o ser humano e todos os poderes espirituais estão submetidos a Cristo (Ef 1,20-22). Com a atuação de Jesus, o mundo foi julgado e o seu príncipe (o diabo) foi expulso (Jo 12,31 e Ap 12,9). Satanás caiu do céu como um relâmpago (Lc 10,18). No final dos tempos, quando Cristo entregar toda a realeza a Deus Pai, toda a adversidade será destruída (1 Co 15,24 e Rm 16,20).
Jesus expulsou demônios com o Espírito de Deus. A igreja vive a partir da certeza de que Jesus é o “mais forte” (Lc 11,20-22; Mc 1,24 e 4,41) e é capaz de desarmar Satanás. Desse modo, Jesus é vitorioso sobre a doença (1 Pd 2,24).
Com a vitória de Cristo sobre os poderes espirituais, nada mais pode nos separar do amor de Deus (Rm 8,38-39).
Jesus venceu o mundo (Jo 16,33) dominado pelas forças do mal por causa de seu estado de rebelião contra o Criador.
“Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo” (1 Jo 3,8).
Por sua morte, Jesus destruiu aquele que tinha o poder da morte: o diabo. E assim, Jesus libertou a todos os que estavam escravizados pelo pavor da morte (Hb 2,14-15).
A partir da obra de Jesus, “o príncipe deste mundo já está julgado” (Jo 16,11).
Mediante o agir de Jesus, Deus liberta as pessoas do império das trevas e as transporta “para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1,13-14). As pessoas que foram libertadas e curadas devem viver de um modo vigilante, para evitar uma recaída (Jo 5,14; Mt 12,43-45).
As trevas são uma alusão à morte. Seu oposto é a vida, a luz. Ver a luz é viver (Jo 3,21). Em Cristo foi estabelecido o reino de luz.
Jesus estava consciente de sua missão; ele veio para cumprir o plano de Deus. Ele se assumiu como Servo sofredor de Deus e se entendeu como Filho do Homem.
O NT conhece a tensão entre um “já realizado” e um “ainda não plenamente consumado”.
“O centro foi alcançado, mas o fim está ainda para vir. Assim, para servir-nos de um exemplo, a batalha decisiva de uma guerra pode acontecer numa fase relativamente inicial desta, e contudo as hostilidades podem durar ainda um longo tempo. Embora o alcance decisivo daquela batalha talvez não tenha sido percebido por todos, ela significa já a vitória. Mas a guerra tem de ser levada adiante por um tempo indeterminado até o Victory Day” (Cullmann, Cristo e o tempo).
A batalha decisiva foi “o irresistível acontecimento de Cristo”. O Victory Day está relegado para a parusia. O futuro está garantido pelo evento cristológico do passado. Cristo é o Senhor sobre a linha do tempo. Portanto, “a linha da salvação é a linha de Cristo” (Cristo e o tempo).
“Ele é antes do início, foi crucificado ontem, reina agora, invisível, e voltará no fim dos séculos. Todas essas imagens constituem uma única imagem, a do Cristo que exerce sucessivamente no tempo as suas funções histórico-salvíficas” (Cristo e o tempo).
A tensão entre o já e o ainda não é “a chave para se compreender os problemas fundamentais da teologia do Novo Testamento”. Trata-se da tensão “entre o mal já vencido, mas ainda não aniquilado” (Cullmann, A oração no Novo Testamento).
Jesus viu “Satanás caindo do céu” (Lc 10,18) e, no entanto, ele continuou expulsando demônios. Ele continuou combatendo o diabo e seu exército.
Na atuação de Jesus está presente a dimensão do já, pois “os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11,5). Jesus viu “Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc 10,18), e declarou: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso” (Jo 12,31), acrescentando que “o príncipe deste mundo já está julgado” (Jo 16,11). O reino de Deus chegou, porque Jesus expulsou demônios pelo Espírito de Deus (Mt 12,28).
Mas ainda não aconteceu a parusia de Jesus. Com sua volta gloriosa, acontecerá o julgamento final. Então “vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu” (Mc 14,62). A morte e o inferno serão lançados no lago de fogo, que é a segunda morte, a definitiva (Ap 20,14). “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Co 15,26). Na cruz, Cristo triunfou sobre os poderes malignos e os expôs publicamente ao desprezo (Cl 2,15) e, no entanto, Paulo alertava seus leitores a se precaverem de Satanás e das tentações (1 Co 7,5), podendo o mesmo se transformar “em anjo de luz” (2 Co 11,14). Portanto, o mal já foi vencido, mas ainda não foi destruído. Por ora, vigora a exortação à vigilância.
O NT conhece “um dualismo relativo, limitado ‘no tempo’. O diabo é vencido e, no entanto, está ainda agindo e não será destruído senão no fim” (Cullmann, A oração no Novo Testamento).
O evangelho anuncia o perdão de Deus, o Pai, que requer nossa fé: confiança e obediência.
Toda a ética da igreja primitiva tem como fundamento o amor de Deus e se direciona para o amor ao semelhante.
Os meios da graça são o batismo e a ceia do Senhor.
O Espírito Santo é concedido aos que creem em Jesus. O Espírito é o poder de ressurreição que atua na Igreja e na vida de cada membro. O Espírito está ligado à ressurreição de Jesus (Jo7:39), sua vitória sobre a morte e os milagres por ele realizados.
Jesus Cristo continua presente, atuando permanentemente junto aos seus. A atividade permanente de Cristo é uma referência à obra do Espírito Santo. A presença de Cristo é ação do Espírito. Deus nos concede o seu Espírito (1 Ts 4,8).
Jesus declarou que é necessário nascer do Espírito (Jo 3,6.8). O ser humano deve permitir que o Espírito de Deus habite nele (Rm 8,9.11; 1 Co 3,16; 2 Tm 1,14).
O Espírito vivifica (Jo 6,63; 2 Co 3,6). Jesus se apresentou: Eu sou a vida (Jo 14,6). Na carta aos Efésios lemos: “habite Cristo no vosso coração pela fé” (3,17).
“Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Co 3,17). No AT, o título de Senhor se aplicava a Deus. No NT, Jesus passou a ser designado de Senhor (At 2,21.36; Rm 10,9-13; Fl 2,21). A pregação apostólica passou a proclamar que Jesus Cristo é o Senhor (At 28,31). Em sintonia com a pregação apostólica, Paulo equipara Jesus e o Espírito (2 Co 3,17). A obra permanente de Cristo é a atividade do Espírito.
“E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8,9). Isso significa que Cristo atua no Espírito e por intermédio dele.
A atuação do Espírito se torna efetiva a partir da glorificação de Jesus (Jo 7,39). No AT, o Espírito de Deus era concedido às lideranças, para atividades específicas. No NT, o Espírito é concedido a todos os que crêem em Jesus. A obra realizada por Jesus é a condição para a vinda do Espírito e para a unção dos que creem. Jesus é o portador do Espírito.
A presença espiritual de Cristo vem a ser uma presença real. Por isso, o Espírito também está relacionado com poder (At 1,8; 10,38), subjugando poderes malignos e realizando curas. Onde o Espírito atua, o próprio Deus está presente. A afirmação de que Deus se revela no Espírito significa que Deus se revela de um modo pessoal, pois o Espírito quer habitar em nós. Aquilo que afirmamos de Deus, também se refere à atuação dinâmica do Espírito. Onde Deus quer atuar, ele o faz com a presença do Espírito, promovendo vida, alegria, amor, paz e comunhão.
O NT quer nos transmitir que o Espírito Santo é o Espírito de Jesus Cristo. Mediante a fé em Jesus, a pessoa participa da experiência com o Espírito. A experiência com Cristo e a experiência com o Espírito são idênticas. O Senhor Jesus é o Espírito (2 Co 3,17).
Com Cristo – o segundo Adão – tem início o tempo da restauração. Essa dinâmica acontece mediante a atuação do Espírito.
A nova aliança foi estabelecida em Cristo. Tem início o período da atuação do Espírito. O apóstolo Paulo se colocou a serviço da nova aliança. Ele exerceu o ministério para Cristo e por meio do Espírito.
Quando a pessoa decide seguir Jesus Cristo, a sua fé é ativada pelo Espírito. A manifestação de Deus em Jesus desencadeou a atuação do Espírito. As pessoas que acolhem a revelação de Deus em Jesus recebem o Espírito Santo. Suas vidas passam a ser conduzidas pelo Espírito divino.
A obra de Jesus Cristo não está encerrada; ela continua na atuação do Espírito. O Espírito de Cristo manifesta a atividade permanente da revelação de Deus, ensinando e lembrando tudo o que Jesus falou (Jo14:26). A atuação do Espírito se deve à revelação de Deus e à atuação de Jesus. Cristo está presente na medida em que a atuação do Espírito é permanente e contínua. O Espírito Santo é Deus se dirigindo a nós e atuando em nós. O Parákleto (Jo14,16) representa Cristo, atuando no nome dele.
A pessoa justificada pela graça de Deus, habitada e conduzida pelo Espírito Santo, passa a viver uma existência santificada.
A vontade de Deus é a nossa santificação (1Ts 4,3). Deus nos escolheu para a santificação (2Ts 2,13). Não são as nossas pretensas qualificações, mas é Deus que santifica a pessoa (1 Co 6,11). Cristo Jesus se tornou para nós santificação (1Co 1,30). A nossa santificação é iniciativa de Deus e nós a efetivamos mediante a obediência à sua Palavra.
Devemos nos colocar a serviço da justiça para a santificação (Rm 6,19). A ação santificadora de Deus abrange o ser humano em sua totalidade, envolvendo todas as dimensões (1 Ts 5,23).
A santificação deve ser procurada e é condição básica e fundamental para podermos ver Deus (Hb 12,14). Ela é condição para o que há de mais desejável: ver Deus. Somos exortados a progredir na santificação (Ap 22,1).
Recebendo o Espírito Santo mediante o batismo, a pessoa torna-se propriedade exclusiva de Jesus Cristo (Rm 6,4).
O NT também testifica a respeito da centralidade do Espírito na dinâmica da ressurreição dos mortos. Como poder de vida, o Espírito não conhece restrições e nem limites. “E se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos dará também a vida aos vossos corpos mortais, por seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11). “... o Senhor Jesus Cristo que há de transfigurar o nosso corpo humilhado, para torná-lo semelhante ao seu corpo glorioso, com a força que também o torna capaz de tudo submeter ao seu poder” (Fl 3,21).
A morte já foi vencida (2 Tm 1,10), mas ainda não foi destruída (1 Co 15,26).
Por ora, recebemos o Espírito como uma antecipação da ressurreição. O Espírito nos é concedido como penhor, garantia, sinal, pagamento antecipado (2 Co 1,22; 5,5; 8,23; Ef 1,13-14). Por isso, são “bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem de suas fadigas, pois as suas obras os acompanharão” (Ap 14,13). Aqueles que morrem no Senhor estão em segurança; encontram-se junto a Abraão (Lc16,22), sob o altar (Ap 6,9), no paraíso – com Cristo (Lc 23,43). São designações para expressar a proximidade com Deus.
Mas, a transformação do corpo mortal em corpo glorioso de ressurreição acontecerá quando a criação inteira for recriada pelo Espírito, quando a morte não mais existirá. Toda a criação anseia pela redenção (Rm 8,18-30). O futuro de cada indivíduo depende do desfecho de toda a história da salvação.
Por ora, somente Jesus Cristo recebeu o corpo glorioso de ressurreição, “sendo ele as primícias dos que dormem” (1 Co 15,20), “o primogênito de entre os mortos” (Cl 1,18), “o Primogênito dos mortos” (Ap 1,5), “sendo o primeiro da ressurreição dos mortos” (At 26,23).
Jesus mostrou-se soberano sobre a morte, fazendo Lázaro sair do túmulo e devolvendo à vida o único filho de uma viúva, a filha de Jairo. Também os mortos, que saíram de sepulcros (Mt 27,51-53), foram devolvidos a esta vida e tiveram que morrer novamente. São relatos que mostram o poder de Jesus sobre a morte. “Mas, a bem da verdade, nenhum homem, exceto o ‘primogênito’, está ainda definitivamente ressuscitado, quer dizer, revestido do novo corpo espiritual. Mateus (27,52) quando fala dos ‘corpos dos Santos’ ressuscitados na sexta-feira santa, não pensa nos corpos espirituais”, declara Cullmann, Cristo e o tempo.
Para todos os que creem, “a ressurreição do corpo permanece reservada ao período futuro da história da salvação”, afirma Cullmann, prosseguindo: “pode-se conceber que estes mortos são mantidos com Cristo antes mesmo que seus corpos ressuscitem, antes mesmo que eles se revistam de um corpo espiritual. Isso significa que o poder de ressurreição do Espírito Santo é decisivo não somente para nós que vivemos, mas ainda para os mortos. O Espírito Santo é um dom inalienável”, conclui o professor de teologia em Cristo e o tempo.
O Espírito Santo é o poder de ressurreição. Já agora, ele atua em nosso corpo. Com sua presença e atuação em nosso corpo, o Espírito faz recuar o poder da morte. “Este recuo temporário da morte, devido ao poder de ressurreição do Espírito Santo, marca o sentido profundo de todas as curas e ressurreições relatadas no Novo Testamento. [...] as ressurreições tanto quanto as curas, atestam que depois de Cristo e em Cristo o poder da ressurreição já opera” (Cullmann). Observemos Mt 11.5 e At 9.40.
Os meios da graça e a dádiva do Espírito devem ser vivenciados em comunhão: no Corpo de Cristo, a igreja, que ele resgatou para si.
O acontecimento central da história é o evento realizado em Cristo.
O centro da história da salvação é a revelação de Deus em Jesus de Nazaré, cumprindo-se nele todas as profecias do AT (2 Co 1,20). Isso significa que a história da salvação se estende ao passado. Portanto, o Cristo preexistente é o Logos que se tornou carne.
A atividade terrena de Jesus torna-se o centro da linha da salvação. No entanto, o Ressuscitado continua presente e atuando junto aos que crêem. Portanto, ele é o Senhor (o Kyrios, título que era atribuído ao imperador).
O Senhor, que dirige a história, também conduzirá os acontecimentos até à plenitude. Ele é o Filho do Homem, que voltará sobre as nuvens, em sua parusia (a “chegada” do imperador passou a ser ilustrativa para a “vinda” de Cristo).
Cada título de Jesus está relacionado com a história da salvação.
Portanto, a preexistência de Cristo e sua atuação escatológica tornam-se compreensíveis a partir do centro de toda a revelação: a atividade terrena de Jesus, que tem um caráter decisivo (1Jo 4,2-6).
A existência terrena de Jesus de Nazaré possibilita entender o que vem antes e o que vem depois: a preexistência e a escatologia.
O mediador da criação (Pv 8,22-31) também promove a reconciliação entre Deus e o mundo (2 Co 5,18-20). Criação e redenção se completam.
A cristologia é compreendida a partir da história da salvação.
“Toda cristologia é, por conseguinte, história da salvação, e toda história da salvação é cristologia” (Cullmann).
“Só durante o tempo da revelação, neste tempo que começa com a criação do mundo e dura até o seu fim, tem sentido a distinção entre o Pai e o Filho” (Cullmann).
Três experiências foram essenciais para a compreensão da cristologia;
- a atividade terrena de Jesus – sua morte e ressurreição;
- a presença e atuação do Senhor na igreja e na vida de cada pessoa;
- a manifestação de Jesus como centro da história da salvação e sua relação com todas as demais manifestações de Deus.
Tanto o AT quanto o NT pertencem à história da salvação. O NT apresenta os acontecimentos decisivos, que são o centro da história.
A história da salvação se cumpriu em Cristo, mas desdobra-se no tempo presente até a consumação. O desenrolar acontece de acordo com os critérios de Deus.
A alegria dos cristãos advém da certeza de participar na história da salvação. É a convicção de viver no tempo presente, que está relacionado com o passado e com o futuro. O tempo presente se reveste de significado: é o tempo da atuação do Espírito, da missão da igreja, da proclamação do Evangelho.
Em sua vivência de fé, a pessoa integra sua existência individual na grande história da salvação. A existência individual é inserida no grande plano de Deus.
A decisão da fé faz a pessoa experienciar um novo nascimento.
Crer significa integrar sua vida na história da salvação, que tem um ponto central e um sentido: Jesus Cristo, que revela Deus.
Crer significa acolher a oferta da salvação e confiar em Deus, que justifica o pecador. A pessoa é libertada do pecado, da morte e do juízo. Livre dessa opressão, a pessoa pode ser voltar em misericórdia e solidariedade ao seu semelhante.
A tradição dos rabinos havia contado todos os preceitos contidos no Pentateuco. Encontraram 613 preceitos, constituídos de 365 proibições e 248 exortações. Para facilitar a memorização, ensinavam que devemos servir a Deus nos 365 dias do ano com os 248 ossos do nosso corpo. Essa carga deve ter levado muitos a perguntar pelo mandamento mais importante (Mc 12,28). E Jesus apontava para o amor a Deus e a ao semelhante. Paulo compreendeu bem essa mensagem do amor – ensinada e vivida por Jesus –, quando salientou que todos os mandamentos se resumem na vivência do amor (Rm 13,9).
A piedade cristã se expressa em humildade diante do Criador e Senhor. A atitude oposta é a auto-suficiência (hybris, em grego).
Jesus anunciou um Deus totalmente pessoal, que pode ser invocado como Pai. Deus é misericordioso e salva sua criatura.
Dominado pelo pecado, o ser humano está entregue à morte. A redenção só é alcançada mediante a graça divina, que foi revelada em Jesus Cristo.
Vivendo sob a graça de Deus e iniciando uma nova existência a partir do batismo, o cristão passa a ser conduzido pelo Espírito Santo.
O cristão torna-se filho de Deus e passa a ver todas as demais criaturas como o seu próximo.
O ser humano tem a liberdade para amar a Deus e, também, para desobedecer aos seus preceitos. Ele é responsável e pode se tornar culpado perante o Criador.
O relacionamento com o próximo recebe destaque. O cristão é chamado pelo Evangelho a ser um próximo para o seu semelhante (Lc10,29-36).
Deus quer se relacionar conosco na medida em que nós nos defrontamos com o nosso semelhante (Mt 25,40). No centro da vivência cristã está o relacionamento interpessoal: a promoção da dignidade humana (Mc 2,27).
O cristão é chamado a ter firmeza em seus posicionamentos. Ele não deve ter um coração dividido e nem “uma psique dupla” (Tg 1,8; 4,8). Ele deve ser inteiro – diante de Deus e perante o seu semelhante.
Jesus requer a fé das pessoas desde o início de sua atividade (Mc 1,15). A fé é uma atitude de confiança e de abandono; a pessoa deixa de se apoiar em suas próprias forças, para contar exclusivamente com a intervenção de Deus em sua vida.
Jesus requer a fé quando realiza milagres.
Ele disse ao centurião: “Vai! Como creste, assim te seja feito! Naquela mesma hora o criado [do centurião] ficou curado” (Mt 8,13).
“Eis que lhe traziam um paralítico estendido numa padiola. Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Confiança, meu filho, os teus pecados estão perdoados” (Mt 9,2).
“Jesus, voltando-se e vendo-a [a mulher com hemorragia], disse-lhe: Ânimo, minha filha, a tua fé de salvou. Desde aquele momento a mulher foi salva” (Mt 9,22).
“Diante disso, Jesus lhe disse [à mulher cananeia]: Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como queres. E a partir daquele momento sua filha ficou curada” (Mt 15,28).
“Jesus, porém tendo ouvido a palavra que acabava de ser pronunciada, disse ao chefe da sinagoga: Não temas, crê somente” (Mc 5,36).
“Jesus lhe disse [ao cego de Jericó]: Vai, a tua fé te salvou. No mesmo instante ele recuperou a vista e seguia-o no caminho” (Mc 10,52).
“Em seguida, disse-lhe [ao leproso curado]: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou” (Lc17,19).
Jesus realizou milagres dentro de um contexto de fé. Ele se recusou a fazer milagres para satisfazer curiosos (Mt 12,38-39 e 16,1-4). Jesus visitou Nazaré. “E ali não fez muitos milagres, porque eles não tinham fé” (Mt 13,58). O relato de Marcos é ainda mais enfático: “E não podia fazer ali nenhum milagre, contudo, curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos” (6,5). Os conterrâneos de Jesus não tiraram as consequências necessárias para uma vivência de fé. Prendem-se à origem humilde de Jesus e não conseguem perceber a manifestação divina. Faltava a fé para receber e reconhecer o dom divino. Fora de um contexto de fé, um milagre perde toda sua significação. E Jesus evitou o exibicionismo de um taumaturgo.
Ao curar uma pessoa, ou Jesus solicita a fé antes de intervir (Mc 5,36 e 9,23), ou ele declara que a cura aconteceu por causa da fé do doente (Mc 5,34 e 10,52).
A pessoa que crê, abre-se ao poder de Deus. Em Mc 11,24, o poder da fé se aplica ao poder da oração. Deus conhece as nossas necessidades. Ele não tem necessidade da nossa oração, mas ele quer que oremos a ele. Deus quer se relacionar conosco. Ele quer a nossa comunhão. Nem toda a oração é atendida (2 Co 12,8). Mas toda oração é ouvida. Mediante a oração, nós nos posicionamos e manifestamos firmeza nos objetivos.
A fé é uma atitude de humildade; a pessoa reconhece que necessita do poder e da intervenção de Deus em sua vida. Muitas pessoas ficam na metade do caminho da fé (Lc 8,13).
Os discípulos demoraram a crer (Mt 8,26; 14,31; 16,8 e 17,20). Os relatos evidenciam que a fé é um caminho a trilhar. A fé não é uma posse, mas ela precisa ser exercita em cada confronto existencial.
Mais tarde, os discípulos constaram que a invocação do nome de Jesus também requer a fé da pessoa que busca a cura (At 3,16).
“Um dia em que ele escutava Paulo falar, este fixou os olhos nele e, vendo que tinha fé para ser curado, disse com voz forte: Levanta-te direito sobre os teus pés! O homem deu um salto; caminhava!” (At 14,9). A cura acontece como resposta à fé.
No entanto, existem acontecimentos que precisam acontecer. “Jesus disse aos seus discípulos: É inevitável que haja causas de queda [escândalos]. Mas ai daquele por meio de quem acontece a queda.” (Lc 17,1).
Analisando a dureza do coração humano (Rm 9-11), Paulo não está se ocupando diretamente com a pessoa de faraó e nem com a sua reprovação eterna, mas com o seu comportamento (sua obstinação), que realçou a concretização da promessa de Deus.
A imagem do oleiro é bastante conhecida no AT (Gn 2,7; Is 29,16; 41,25; 45,9; 64,7; Jr 18,6). A criatura se encontra nas mãos de Deus, assim como o barro nas mãos do oleiro. O artífice simplesmente dispõe do material e realiza a sua vontade.
Deus age segundo a sua vontade e nenhum habitante da terra pode se opor à sua mão. Ninguém pode exigir-lhe prestação de contas (Dn 4,35). Observemos também Dn 2,20-21. As nações tornam-se insignificantes diante de Deus (Is 40,15-17). Assim como a argila não pode contestar o artesão, também a criatura não pode demandar contra quem a modelou (Is 45,9). A prepotência de Deus chega a ser desconcertante para o pobre ser humano empenhado em elaborar uma teodiceia (justificativa da justiça divina diante desta realidade brutal), como observamos em Jó 9,12-13 e 11,10.
O autor do Sl 139 declara que os olhos do Senhor viram todos os dias antes de existirem, e estão inscritos no Livro da Vida (v. 16). O salmista sabe que o agir de Deus o envolve. A atuação divina começou antes da existência do salmista. A fé do salmista não esclarece o mistério do agir de Deus. Mas, ele se sabe envolto pelo cuidado de Deus, e essa certeza proporciona firmeza e sustentação para sua vida. Ele sabe que a totalidade da existência se desenrola sob o olhar de Deus. Mesmo agindo de um modo oculto, Deus dirige todos os acontecimentos.
O Livro da Vida também é mencionado em Ex 32,32-33; Sl 56,9 e 69,29.
Também o profeta Jeremias constata que ele é predestinado (1,5).
A fé não pretende se intrometer no mistério de Deus. A fé quer se expressar mediante a confiança e a reverência. A fé pronuncia um “sim” para o Deus oculto, que pode alterar o curso dos acontecimentos. A reverência da fé culmina na admiração pela grandiosidade de Deus. E a atitude da fé reforça a confiança em Deus.
O desconhecimento dos caminhos de Deus e o apego ao pecado fazem com que alguns homens sejam objeto da ira de Deus.
Paulo refletiu sobre essa temática em Rm 9-11. O que nós podemos dizer se Deus, ainda que outrora quisesse manifestar sua ira e demonstrar seu poder, até agora suportou com grande paciência os “vasos de ira” maduros para a perdição? Ao mesmo tempo, Deus quis manifestar a riqueza de sua glória em “vasos de misericórdia”, que ele preparou de antemão para a glória futura.
Os “vasos de misericórdia” foram preparados por Deus em vista da glória. Os vasos de misericórdia são preparados de antemão. O verbo grego proetóimasen, no aoristo, (prohtoimasen) tem o prefixo pro (pro) que remete para a ideia da antecipação: os vasos de misericórdia foram preparados de antemão. Deus é o sujeito da ação.
Por sua vez, os “vasos de ira” tornam-se “completos (instituídos e apropriados) para a perdição”. O verbo grego katertisména, no particípio do perfeito passivo, (kathertismena) tem o prefixo kata (kata), que indica a intensidade da ação. O verbo não apresenta a ênfase da antecipação eterna. O texto não declara que Deus seja o agente do processo de completar os vasos de ira. O v. 22 menciona que Deus “suportou com muita longanimidade” os vasos de ira.
Portanto, o texto afirma a eleição dos vasos de misericórdia; Deus os pré-ordenou para a glória. E os vasos de ira tiveram a sua medida completa. Existem situações em que a medida dos próprios pecados torna-se completa (1Ts 2,16; Gn 15,16; Mt 23,32 e Lc 21,24).
Mesmo merecendo a ira ou a rejeição de Deus, o Senhor tolera os vasos de ira por um tempo, porque ele controla o processo inteiro. Quando os vasos de ira tiverem cumprido sua função no processo, eles podem desaparecer. Com sua “medida completa”, os vasos de ira acabam na destruição.
O profeta Jeremias pede que Deus o vingue dos perseguidores (15:15), pois é estranha a paciência de Deus com os injustos, deixando os inocentes sofrerem.
Na condução da história e na realização de seu Reino a vontade de Deus é totalmente independente. A escolha das pessoas, para integrarem o grande plano de Deus, não depende de méritos humanos. Deus é soberano e totalmente livre em seu agir.
Paulo não está especulando sobre o destino eterno das pessoas. Ele não está querendo definir quem está salvo e quem está condenado. Ele quer evidenciar a liberdade de Deus na condução da história. Mas, sempre fica o alerta: podemos fracassar diante de Deus.
Em nosso empenho pela compreensão da história da salvação, podemos afirmar que se alguém se torna momentaneamente um “vaso de ira”, necessariamente não terá de sê-lo por toda a eternidade. É importante que saibamos que existem “vasos de ira” e “vasos de misericórdia”. E quando nos defrontamos com a ira de Deus, somos exortados a mudar o nosso procedimento perante o Criador, para que alcancemos a graça divina.
Deus preparou os “vasos de misericórdia” (v. 23). São as pessoas que experimentam a misericórdia gratuita de Deus. São pessoas que foram preparadas para a glória de Deus. Essas pessoas são chamadas dentre os judeus e dentre os pagãos. É Deus quem concede valor aos objetos ao fazê-los participar da sua glória.
O NT quer nos ensinar que a existência cristã se desenrola entre dois polos: entre a iniciativa de participar na construção da própria felicidade (Mt 9,27-31) e entre a humilde submissão à vontade Deus, que realiza o seu grandioso plano (Rm 9,6-24).
A consumação escatológica esclarecerá e justificará a declaração no relato da criação: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn1,31). “Isso significa que somente na consumação escatológica a reconciliação estará completa” (Pannenberg, Teologia Sistemática, volume 3, p. 834).
“Em certo sentido, somente com a consumação escatológica do mundo também sua criação chega ao término” (Pannenberg, Teologia Sistemática).
A vida eterna é uma realidade presente (Jo 17,3) e também pertence à dimensão futura. Não há diferença de conteúdo. A diferença é que, no presente, a nossa “vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Cl 3,3).
A história da salvação tem o seu centro em Cristo. Vivemos no período entre a ressurreição e exaltação de Cristo até a sua vinda em glória e o estabelecimento de seu Reino.