Maria Luiza Rückert
A ORAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO

Oscar Cullmann
(Resenha)
“A essência de toda oração é o diálogo com Deus, como um face a face” (p. 68).
“Eis aí o paradoxo da oração de petição: Deus sabe de que temos necessidade, e, no entanto, ele quer que nós lhe peçamos” (p. 74).
Referindo-se à oração de Jesus no Getsêmani, Cullmann comenta: “Desse modo, os evangelistas nos transmitiram uma oração não atendida. E, no entanto, Jesus a expressa, disposto a permanecer unido à vontade do Pai: ‘se possível’; ‘tudo te é possível’; isso quer dizer que mesmo uma vontade humana poderia se inserir no plano imutável de Deus” (p. 80). Cullmann considera essa oração de Jesus “um combate”, que permanece como um “exemplo para nós”.
Deus não abandona o seu plano quando ele atende uma oração de petição, mas ele integra o atendimento da súplica em seu desígnio.
A oração de Jesus no Getsêmani está ancorada “em sua união com a vontade de Deus” e na “sua certeza de que essa vontade visa o bem” (p. 99).
Em nossa existência, nós nos deparamos com a tentação divina e a tentação diabólica.
O objetivo da tentação divina é nos provar, testar e fortalecer nossa capacidade para resistir à sedução do mal. O sujeito é Deus.
A tentação diabólica visa somente o mal. O sujeito é o diabo, que toma a iniciativa para nos induzir a praticar o mal.
Jesus nos ordena pedir (Mt 7,7), pois todo seu viver foi pautado “por sua fé na bondade de Deus” (p. 99).
A tensão entre o já e o ainda não é “a chave para se compreender os problemas fundamentais da teologia do Novo Testamento”. Trata-se da tensão “entre o mal já vencido, mas ainda não aniquilado” (p. 100).
Na atuação de Jesus está presente a dimensão do já, pois “os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11,5). Jesus viu “Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc 10,18), e declarou: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso” (Jo 12,31), acrescentando que “o príncipe deste mundo já está julgado” (Jo 16,11). O reino de Deus chegou, porque Jesus expulsou demônios pelo Espírito de Deus (Mt 12,28).
Mas ainda não aconteceu a parusia de Jesus. Com sua volta gloriosa, acontecerá o julgamento final. Então “vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu” (Mc 14,62). A morte e o inferno serão lançados no lago de fogo, que é a segunda morte, a definitiva (Ap 20,14). “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Co 15,26). Na cruz, Cristo triunfou sobre os poderes malignos e os expôs publicamente ao desprezo (Cl 2,15) e, no entanto, Paulo alertava seus leitores a se precaverem de Satanás e das tentações (1 Co 7,5), podendo o mesmo se transformar “em anjo de luz” (2 Co 11,14). Portanto, o mal já foi vencido, mas ainda não foi destruído. Por ora, vigora a exortação à vigilância.
“É na oração que se realiza a santificação; não nas palavras pomposas, mas quando verdadeira e ardentemente desejamos o cumprimento da infinita santidade de Deus. Em todos os lugares se deve orar por ela, a fim de que pela oração o nome de Deus seja santificado. Contribuímos para este acontecimento cada vez que pronunciamos a primeira súplica” (p. 118).
O termo grego basiléia pode significar um reino (um lugar) e pode também significar um reinado (uma soberania).
Jesus empregou o termo basiléia com os dois significados.
O momento decisivo da história da salvação já aconteceu em Cristo. A esperança se projeta para o futuro. Mas, o fundamento da esperança se encontra no passado. No futuro acontecerá o cumprimento final.
A vontade de Deus se realiza no seu plano de salvação. Tanto para Paulo, como para Jesus (no Getsêmani), a obra de salvação se realiza de acordo com o plano de Deus.
A vontade de Deus é realizada na salvação da humanidade, integrando o destino de cada indivíduo. O plano de salvação se desdobra nos acontecimentos da história e inclui cada pessoa que ora. A vontade salvífica de Deus torna-se efetiva também no destino de cada ser humano (Mt 11,25-26; Lc 10,21-22).
O sentido das palavras da terceira súplica do Pai Nosso deve ser entendido a partir de uma analogia: “o que já existe no céu deve ser realizado e suplicado para que o seja sobre a terra” (p. 126).
A santificação do nome de Deus, a vinda de seu Reino e a realização de sua vontade devem se realizar na terra, assim como se tornaram realidade no céu.
Submeter-se à vontade de Deus não exclui a manifestação de um desejo pessoal. Deus é livre para incluir um desejo pessoal em seu plano preexistente, sem alterar seu propósito salvífico. A vontade de Deus é criadora. As criaturas de Deus devem se unir livremente à vontade amorosa do Criador.
Quando suplicamos o perdão divino, nós precisamos nos encontrar na mesma disposição de Deus. “Crer em Deus é crer no Deus que perdoa” (p. 141).
O texto de Mt 6,14-15 vem a ser um epílogo do Pai Nosso, pois “para Jesus, perdoar e orar seguem unidos” (p. 143).
Deus sempre pode intervir. Por isso, suplicamos: “não nos conduzas à tentação”.
Trata-se de um dualismo relativo, limitado no tempo. O diabo já foi vencido, mas ainda não destruído. É a tensão entre o “já” e o “ainda não”. O diabo dispõe de uma liberdade condicionada por Deus, durante um tempo determinado.
Todas as tentações vêm a ser uma “prova”. Cada pessoa precisa descobrir qual o significado que a tentação tem em sua vida.
Deus pode nos poupar da tentação, pois suplicamos que ele não nos conduza a essa situação.
É muito pessoal o limite entre resistir e sucumbir. Por causa de nossa fraqueza, “nós suplicamos a Deus para não sermos confrontados com o diabo” (p. 152).
Todas as pessoas são tentadas. A tentação está incluída no plano de Deus para a nossa vida, pois nosso objetivo é crescer. É irreal suplicar para ficarmos isentos de qualquer contato com o mal.
O nosso confronto com o maligno é permanente, pois a adversidade integra a nossa existência.
Deus não tem necessidade da nossa oração, mas ele quer a nossa comunhão. Deus quer as nossas orações.
Paulo considerava suas orações inspiradas pelo Espírito Santo. Existe uma “relação entre a oração e o Espírito Santo” (p. 173). Na oração, “o Espírito se serve de nossa fala humana” (p. 175). O Espírito intercede por nós, pois nossa linguagem é limitada.
Só é possível conhecer a Deus mediante a vivência da oração. Toda oração “é um falar do Espírito” (p. 200).
A oração significa colocar-se em sintonia com a vontade de Deus.
Quando nós intercedemos, “aqueles por quem se ora, são integrados na vontade de Deus por aqueles que oram” (p. 194).
Nada deve ser excluído da oração (Fl 4,6). Devemos agradecer em todas as circunstâncias (1 Ts 5,18). Tudo deve ser realizado em nome do Senhor Jesus (Cl 3,17).
“A oração, pronunciada três vezes de 2 Co 12:8 não foi atendida. Mas, naquele momento, um milagre aconteceu. Claramente, Paulo entendeu como resposta (da mesma forma que aconteceu, quando de sua conversão, segundo At 9,3) a voz de Cristo: ‘A minha graça te basta’. ‘Basta’, isto quer dizer que Deus não lhe promete mais: ‘O poder (dýnamis)’ do Espírito ‘se aperfeiçoa na fraqueza (na doença)’. Isso quer dizer que a doença permanece, mas que o poder da cura produz seu efeito, não obstante a doença que permanece” (p. 198-99).
A oração não foi atendida, mas foi respondida. O decisivo foi a presença de Cristo. “O Espírito Santo, o Doador de vida, está presente no corpo enfermo sujeito à morte. Isso ‘basta’” (p. 199).
O “apóstolo concebe todo ato de oração como um falar do Espírito”. “A presença de Deus por meio do Espírito Santo já equivale a uma resposta” (p. 200).
“Uma oração na qual isto acontece (a presença do Espírito de Deus) é respondida, mesmo se ela for seguida de eventos que contrariem o conteúdo manifesto da oração” (Paul Tillich, Teologia Sistemática).
A oração em nome de Jesus evoca o poder do Senhor, para influir nos acontecimentos. Orar em nome de Jesus significa contar com sua presença contínua.
Cristo está presente entre os seus, quando eles oram (14,17). E está junto a Deus – intercedendo. O envio do Espírito Santo dá “prosseguimento à obra terrena de Cristo” (p. 230).
Jesus “permanece presente entre os seus” (p. 229).
“O Espírito está estreitamente ligado a Cristo” (p. 230).
Em João, o Espírito é designado de Parácletos. A presença de Cristo junto aos discípulos tem continuidade na presença do Espírito.
Em Jo 14,16, o Espírito é um outro Parácletos, e “isso pressupõe que o próprio Cristo é um Parácletos” (p. 231).
Para que a oração seja atendida, os sinóticos exigem a fé como pré-condição. Em João, a exigência é que se “permaneça nele”.
Cristo intercede pelos discípulos como advogado (Parácletos). Jesus intercede para que os discípulos sejam preservados do mal.
Nós precisamos estar dispostos a receber essa ajuda.
“No núcleo do Antigo Testamento, a liberdade de Deus integrada neste plano se exprime pela noção de ‘arrependimento de Deus’, que implica também um desenvolvimento da vontade divina que não é linear”.
“O próprio plano de Deus prevê a integração das súplicas humanas”. A “oração de Jesus no Getsêmani é um testemunho de fé na possibilidade, com a ordem de Deus de integrar em seu plano uma súplica humana à qual ele responde ou não: ‘Se for possível, passe de mim este cálice!’. ‘A ti tudo é possível’. Que o Novo Testamento relate essa súplica é um fato que tem sua importância. É uma oração que não foi atendida” (pp. 290-291). Mas foi respondida.
Com base em Lc 18,1-8, Culmann afirma que a “oração que não esmorecer será atendida” (p. 267).
“Perseverar na oração é, por sua vez, uma exigência e um remédio para superar a tentação humana de se negligenciar a oração. Certamente não se deve orar mecanicamente, por rotina, mas, por um outro lado, uma oração regular facilita a união com Deus” (p. 268).
Deus é amor (1 Jo 4,8-16). O amor não quer permanecer só; sua essência é comunicar, compartilhar. E isso acontece na oração.
Precisamos sempre considerar “que o alvo último da oração é a união com Deus. A submissão pode garantir que se alcance esse alvo, mesmo no caso onde a súplica por uma necessidade específica não for atendida”. Unir-se à vontade de Deus significa unir-se ao seu amor.
A fé é indispensável para a prática e vivência da oração. A fé deve incluir a submissão à vontade de Deus.
Deus deseja a nossa oração como uma atitude de integração no seu amor. O sentido de toda oração é estabelecer uma relação com Deus. “Acontece que isso se realiza não somente pela união com o seu amor, mas precisamente também pela união com sua vontade, que é uma vontade amorosa” (p. 292).
Só é possível submeter-se à vontade de Deus, quando aprendemos com Jesus a crer na bondade de Deus. Também Jó mostrou uma fé na bondade de Deus (Jó 1,21).
A tensão entre o já e o ainda não é a chave para compreendermos a teologia do NT. Cristo já triunfou sobre o mal. A batalha decisiva já foi travada. Mas o aniquilamento definitivo ainda não aconteceu, pois está reservado para o fim dos tempos. Por isso, “no tempo intermediário entre o triunfo de Cristo no fim, período no qual ainda vivemos, igual ao Novo Testamento, a onipotência de Deus está limitada” (pp. 297-298).
É da vontade de Deus que oremos sempre. Deus é amor e ele quer que suas criaturas se unam à sua vontade amorosa – por meio da oração. Assim, com toda consideração à soberania de Deus, “nós nos tornamos assistentes de Deus no combate que ele empreende contra a obra do demônio no mundo” (p. 303).
“Deus não tem necessidade de nossa oração, mas ele a deseja” (p. 305).
O objetivo último da oração é encontrar a Deus e se integrar no seu plano de amor.
Somos exortados a interceder, pois “Deus ama aqueles pelos quais oramos e, isso, infinitamente mais do que somos capazes” (p. 305).
Deus nos proporciona ajuda para orar. Ele supre essa nossa necessidade, concedendo-nos ajuda por meio do Espírito Santo.
Devemos crer na bondade de Deus e nos submeter à sua vontade.
“Mesmo as orações não atendidas são desejadas por Deus” (p. 306).
Oramos a Deus, que está em toda parte e também está em nós. Devemos nos aliar a Deus na luta contra o mal.
