Maria Luiza Rückert
Como viviam os primeiros cristãos

A fé em Jesus Cristo surgiu em meio às religiões pagãs. A vivência da fé cristã era estranha – não só pela adoração ao único Deus verdadeiro, mas também pela fraternidade. Essa nova maneira de viver provocou reações e muitos cristãos foram, então, perseguidos. Mas, também despontaram pessoas que defenderam a fé cristã.
O historiador Eusébio de Cesareia narra que o filósofo ateniense Aristides entregou ao Imperador Adriano um escrito em defesa da religião cristã.
Quando o imperador esteve na Grécia, aconteceu uma violenta perseguição aos cristãos. Na ocasião, o filósofo grego escreveu a Apologia de Aristides. O filósofo aborda brevemente a natureza de Deus, como é habitual na filosofia grega, e pergunta quais homens participaram da verdade divina, estabelecendo uma comparação entre as religiões antigas. Ele aponta para os erros na religião pagã, ressaltando a inconsistência da religiosidade dos caldeus, gregos e egípcios. Sua intenção era mostrar que os cristãos são os únicos conhecedores do verdadeiro Deus. Os judeus “continuam ainda agora a adorar o único Deus onipotente, porém não segundo o cabal conhecimento, já que negam a Cristo, Filho de Deus”.
Aristides não enfatizou tanto a defesa do conteúdo da fé cristã, mas a vivência moral dos cristãos. Ressaltou o caráter elevado da ética cristã, que contrasta com as práticas pagãs. Seu estilo é nobre e sereno.
“Os cristãos, por sua parte, contam sua origem a partir do Senhor Jesus Cristo; este é professado como sendo Filho de Deus Altíssimo no Espírito Santo, descido do céu para a salvação dos homens. [...] Os mandamentos do Senhor Jesus Cristo eles trazem gravados em seus corações, e são praticados, esperando a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Não cometem adultério, não fornicam, não levantam falso testemunho, não cobiçam os bens alheios, honram o pai e a mãe, amam aos seus próximos e julgam com justiça. O que não querem que se lhes faça, não fazem aos outros. Aos que os ofendem, exortam-nos e tentam ser amigos; empenham-se em fazer o bem aos seus inimigos, são mansos e modestos. Eles se afastam de toda união ilegítima e de toda impureza. Não desprezam a vida. Não desamparam o órfão. Os que têm compartilham abundantemente com os que não têm. Se veem um forasteiro, o acolhem sob seu teto e se alegram com ele como um verdadeiro irmão, pois não se chamam irmãos segundo a carne, mas segundo o Espírito. Estão dispostos a dar suas vidas por Cristo porque guardam com firmeza os seus mandamentos, vivendo santa e justamente segundo o que lhes ordenou o Senhor Deus. A ele são dadas graças a todo momento por toda comida e bebida, bem como pelos demais bens. Este é, portanto, verdadeiramente o caminho para o reino eterno, prometido por Cristo para a vida vindoura. E, para que saibas, ó rei, que não digo estas coisas por minha própria conta, inclina-te sobre as Escrituras dos cristãos, e verificarás que não digo nada além da verdade”. (Tradução: Carlos Martins Nabeto).
Portanto, a mais antiga Apologia da fé cristã foi escrita pelo filósofo Aristides e foi dirigida ao Imperador Adriano (117-138).
Durante muito tempo, a Apologia de Aristides estava perdida. Em 1878, foi publicado um fragmento da tradução armênia. Esse fragmento da Apologia foi publicado com o título Ao Imperador Adriano César de parte do filósofo ateniense Aristides.
Em 1889 foi descoberto o texto completo no mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai. O texto era uma tradução em siríaco.
Mais tarde foram publicados dois fragmentos gregos, os quais foram comparados com a obra medieval Vida de Barlaão e Josafá, escrita por João Damasceno. A comparação mostrou que o autor medieval havia reescrito livremente parte do texto grego. Por isso, dispomos hoje de variações da Apologia de Aristides, como esta que segue:
Eles andam em humildade e bondade;
não existe falsidade entre eles;
amam uns aos outros.
Não desprezam as viúvas,
nem molestam o órfão.
Aquele que tem dá liberalmente para aquele que não tem.
Se eles encontram um estrangeiro, logo lhe dão acolhida
e se alegram como se fosse um irmão:
Porque entre eles se chamam de irmãos,
não de carne, mas no Espírito, em Deus.
Quando um de seus pobres passa deste mundo e um deles é informado, logo toma providências para o seu sepultamento, conforme estiver ao seu alcance.
E se ouvem que alguém dentre eles é preso ou oprimido por causa do nome de seu Messias, todos providenciam para suas necessidades:
E, se é possível que seja posto em liberdade, esforçam-se por consegui-lo.
E se há alguém entre eles pobre e necessitado, jejuam dois ou três dias para o suprirem com o alimento de que precisa.
Mesmo que esse depoimento não faça parte do texto original de Aristides, ele está em consonância com o texto bíblico, que encontramos em Atos 2,42-47:
“E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”.
Certamente foi esse texto que Aristides teve em mente, quando recomendou ao imperador a leitura da Escritura dos cristãos.
Que nós possamos permitir que a Apologia de Aristides e também o texto que foi reescrito, juntamente com o texto bíblico acima transcrito nos inspirem nesse período de Natal.
Os primeiros cristãos chamaram atenção por sua vivência: uma solidariedade fraterna, um respeito aos Mandamentos ordenados por Deus, uma singeleza de coração e, sobretudo, a partilha. Certamente é essa vivência dos primeiros cristãos que nós precisamos resgatar em nossos dias.
Maria Luiza Rückert
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