Maria Luiza Rückert
Ignacio Martín-Baró e a Psicologia da Libertação

Ignacio Martín-Baró nasceu na Espanha, em 1942. Em 1959, entrou na Ordem dos Jesuítas e foi enviado para a América do Sul. Estudou em Quito e em Bogotá. Em 1966, foi ordenado padre jesuíta e transferido para El Salvador. Concluiu os estudos em Psicologia em 1975. Doutorou-se em Psicologia na Universidade de Chicago. Retornou para a Universidade Centro América (UCA), tornando-se Chefe do Departamento de Psicologia. Tornou-se crítico do regime político de El Salvador e, em 1986, fundou o Instituto Universitário de Opinião Pública. Denunciou a corrupção e a injustiça social. Ele e mais cinco pessoas foram assassinadas por um esquadrão da morte do Exército de El Salvador.
Martín-Baró entende que os “traumas devem ser analisados sob a perspectiva da relação entre indivíduo e sociedade”.
Até então a Psicologia havia adotado uma abordagem neutra e universal. Martín-Baró constatou que a Psicologia deve considerar o contexto histórico e as condições sociais do indivíduo. Grupos oprimidos e explorados refletem reações que devem ser compreendidas a partir das circunstâncias às quais foram submetidos. Os psicólogos devem dar atenção às consequências que os contextos sociais problemáticos provocam na saúde mental. Também devem ajudar a sociedade a superar a sua história de opressão.
Assim surgiu, na década de 1980, a Psicologia da Libertação, comprometendo-se com as condições de vida de pessoas marginalizadas e oprimidas.
A psicologia tradicional não tem oferecido soluções práticas para os problemas sociais. Grande parte dos seus postulados foi formulada em países ricos. Pretendendo ser neutra e universal, a psicologia tradicional ignorou necessidades humanas essenciais, como esperança, coragem, solidariedade e compromisso social. Com o propósito de ser universal, a psicologia tradicional priorizou e maximizou o prazer, quando deveria despertar e orientar o desejo por justiça e liberdade.
Em 1994, foi publicada, em edição póstuma, uma coletânea de textos de Martín-Baró sob o título Writings for a liberation Psicology. Ele aborda o uso da psicologia na manipulação política, o papel da religião e o impacto de traumas sobre a saúde mental. Martín-Baró analisou áreas com profunda desigualdade econômica e social, o que resulta em pobreza e exclusão. Ele investigou o impacto que a guerra civil em El Salvador provocou nas pessoas. Analisou, também, as ditaduras na Argentina e no Chile e a pobreza em Porto Rico, Venezuela, Brasil e Costa Rica. Cada povo sofreu o impacto da opressão à sua maneira. Martín-Baró concluiu que os problemas de saúde mental são um reflexo da história local. Os indivíduos devem ser tratados a partir de seu ambiente social e político.
As conclusões de Marín-Baró se aplicam a contextos que se caracterizam por perturbação política e social, opressão e violação dos direitos humanos. Ele estabeleceu uma conexão entre saúde mental e a luta contra a injustiça.
Martín-Baró estabeleceu uma forma inovadora de abordar problemas psicológicos. Para entender e tratar distúrbios mentais, o psicólogo deve analisar, também, o ambiente sociopolítico de seus pacientes. Portanto, os “traumas devem ser analisados sob a perspectiva da relação entre indivíduo e sociedade”.
“O desafio é construir um novo indivíduo em uma nova sociedade”.
A tarefa da Psicologia não é restaurar o indivíduo para que ele se ajuste a uma sociedade que o adoeceu. É preciso lutar, também, por uma transformação social.
“Não há saber transformador da realidade que não envolva uma mudança de relações entre os seres humanos”.
Para que a Psicologia da Libertação se torne uma práxis de transformação, Martín-Baró propõe três elementos essenciais:
um novo horizonte: uma psicologia comprometida com a ruptura da opressão;
uma nova epistemologia: uma revisão crítica dos conceitos da psicologia a partir da perspectiva das maiorias populares e também a criação de novas formas de conhecimento que promovam a conscientização;
uma nova práxis com o propósito de apoiar as causas populares.
A conscientização é o caminho para a libertação; o sujeito torna-se consciente de que a opressão é rompida através da fraternidade.
“Alfabetizar-se é, sobretudo, aprender a ler a realidade circundante e a escrever a própria história”.
Para que a psicologia participe da transformação social, ela deve se empenhar pela reconstrução social dos trabalhadores. Esse processo acontece mediante uma conscientização.
A práxis psicológica recorre à conscientização para que o indivíduo se torne consciente das situações de injustiça que desencadeiam a alienação social. A conscientização em si não altera a realidade, mas ela possibilita a mudança das relações sociais.
A nossa realidade clama por transformação. A injustiça, a pobreza, a exclusão social, a corrupção e a falta de paradigmas são sintomas de uma sociedade gravemente enferma, pois a violência mostra o desprezo pela dignidade humana.
Os pobres, os marginalizados e os excluídos são a maioria da nossa sociedade. Não se trata de uma parcela da sociedade, mas da maioria. Quando os excluídos se manifestam, não se trata de uma questão que deva ser resolvida mediante repressão policial, como geralmente acontece, mas de se entender o clamor e os traumas desencadeados por uma sociedade que exclui. O clamor dos excluídos é um assunto a ser abordado pela Psicologia da Libertação.